não me lembro do último hotel em que estive. lembro-me de, há uns anos, ter ido para um hotel num fim de semana que os meus pais ganharam. talvez esse tenha sido o meu último hotel, não me lembro ao certo. mas lembro-me das últimas férias no campismo. aquelas férias que, não o sabia ainda, eram as últimas na nossa casa de bonecas com rodas. lembro-me da primeira vez que a usamos. madrugamos nesse dia. estava na casa dos meus avós e dormi com a cabeça em cima da mesa, na companhia da minha almofada quase inexistente. lembro-me da textura dos sintos de segurança, do padrão dos bancos e do toque das almofadas. lembro-me do sítio onde havia uma linha puxada, de tantas horas que passei a olhar para ela. lembro-me da cortina anti-insetos rebentada nas margens, das nossas almofadas lá encostadas. lembro-me do som do trancar e destrancar das gavetas. e do som do trinco do frigorífico a saltar. lembro-me do som da porta a abrir. e do som da porta a fechar. lembro-me como era difícil levantar a rede da janela à cabeceira lá de cima. ao longo dos anos, devo ter perdido horas da minha vida a tentar fazê-lo. lembro-me dos detalhes daquela lâmpada. e da outra também. lembro-me das paredes cinzentas com pequenos, minúsculos, pontinhos mais escuros. lembro-me das paredes às riscas da casa de banho e do som do autoclismo. lembro-me das barrinhas do nível das águas. lembro-me do calor que tive. e de a seguir pedir à minha mãe uma manta. lembro-me do barulho da loiça dentro dos armários e de ver as árvores a passar pela janela da cozinha. lembro-me da falha que havia na mesa, mesmo ao meu lado. lembro-me da textura da mesa e de como não conseguia pintar os desenhos em condições sem alguma coisa entre a mesa e a folha por causa disso mesmo. e lembro-me dos sons do campismo. lembro-me de, à noite, ficar deitada lá em cima, cortinas corridas, janela aberta, a olhar lá para fora cheia de calor à espera que viesse uma brisa. o som das cigarras e das pessoas a falar. os sons das tendas. das televisões dos outros. e lembro-me dos dias de chuva. ficar fechada dentro da casa das bonecas com rodas o dia todo a ouvir a chuva a cair. tenho saudades dos sons do campismo e tenho saudades da nossa casa das bonecas com rodas e dos mundos que com ela descobrimos. não me lembro do último hotel em que estive, mas há coisas das quais não me esqueço.
muito amor por estes recortes de tempo. dizem-se memórias, suspiros de vida.
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