24.5.14

Eu pensava que era só comigo

depois do primeiro ciclo, tive seis professores de português em oito anos. acumulei-os como cromos. vinham uns a seguir aos outros. desses seis, quatro eram daqueles professores que só encontram uma vez. eu tive a sorte de os ter em dose quadrupla. não foi nenhum desses professores que me ensinou que a escola é mais do que a matéria que vem nos livros, não. quem me ensionou isso foi um professor de biologia. estes quatro professores ensinaram-me a matéria. fizeram-me debitar verbos, ler livros, dividir orações, fazer posters, escrever atas, resumos & sínteses. mas estes quatro professores não tinham palas nos olhos, como os cavalos. estes quatro professores davam-nos liberdade de pensar. deixavam-nos ler os textos com os nossos olhos, com a nossa cabeça. eram abertos a análises diferentes da mesma coisa. não exigiam versos pirosos no fim dos poemas. e como eu sempre odiei coisas que rimassem. cheiravam-me sempre a santos populares. um desses professores apresentou-me a rima em branco e por algum motivo eu nunca mais me esqueci desse nome. estes professores também não implicavam com a minha mania de frases curtas. sou uma pessoa que gosta de respirar. frequentemente. prefiro pontos a vírgulas. mas também tive uma professora que até bufava com as minhas frases curtas*. a menina acha que isto tem algum jeito? nunca aprendeu a escrever?. nunca percebi o que é que a mulher tinha contra as frases curtas. mas calei-me e passei a escrever frases grandes. tal qual saramago. mas sem o nobel. escrever as composições dos testes dela era um sacrifício. eram sobre a matéria, o que sempre me perturbou. eram perguntas de resposta longa, como gostam de dizer na faculdade. não eram composições. a margem para criar era nula. inexistente. ou sabias ou não sabias. e eu raramente sabia. lembro-me dum teste em que escrevi um parágrafo na composição. e um parágrafo pequenino. fazia-me confusão que não houvesse nenhum espaço no teste para divagar. fazia-me confusão testes de tumba tumba tumba, toma lá matéria. fazia-me confusão a falta de interesse que a matéria tinha. fazia-me confusão a falta de qualidade daquela professora. às tantas tudo me começou a fazer confusão naquelas aulas, até o tom de voz da professora. não foi preciso muito tempo para deixar de prestar atenção aquelas aulas. eventualmente, deixei de gostar de português. a nossa língua. começou a passar-me ao lado. como poderia eu gostar de algo tão desinteressante? e começou a revoltar-me como é que aquela mulher, sozinha, tinha conseguido destruir a imagem quase-perfeita que os outros três professores que só se encontram uma vez me tinham oferecido da disciplina? foi no décimo segundo ano, nos últimos cartuchos das últimas esperanças de sempre para aquela disciplina, que a quarta professora que só se encontra uma vez me apareceu à frente. desenvolvemos uma relação de amor-ódio e eu nunca percebi se ela gostava de mim ou não. um dos poucos professores que nunca consegui perceber isso. há uns dias cruzei-me com ela na rua. viu-me, disse-me olá e tratou-me pelo nome. fiquei surpreendida. já me tinha esquecido como os professores do secundário sabiam os nossos nomes. mas fiquei surpreendida por se ter lembrado de mim ao fim de dois anos. essa foi uma das melhores e mais exigentes professoras que tive. porque ser bom professor não é sinónimo de oferecer notas nem de fazer a vida dos alunos fácil. odiei muitas vezes aquela professora quando tinha de passar horas a analisar poemas de fernando pessoa para o dia seguinte. mas também sei reconhecer que foi ela que me ensinou a sintetizar as ideias. a fazer da confusão que vai na minha cabeça um texto com cabeça tronco e membros. ou, como elas nos ensinou, introdução, argumento um, exemplo um, argumento dois, exemplo dois, conclusão.

* e pelos vistos não era a única pessoa a sofrer deste mal.

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