9.3.16

'O que não te desafia, não te muda'

10. sobreviver durante três meses a morar sozinha.

há pessoas que planeiam 'aos x anos ponho-me a andar de casa dos meus pais e faço-me à vida'. nunca eu planeei tal coisa. muito pelo contrário, sempre achei que não havia lugar nenhum no mundo mais confortável do que a casa dos meus pais. e depois descobri - ou aprendi - que no conforto não acontece nada. o que não te desafia não te muda, o que vem fácil não tem valor. e aos vinte e um [literalmente aos vinte e um] pus-me a andar de casa dos meus pais. no dia a seguir aos meus anos, de manhã bem cedo, entrei no carro com destino ao aeroporto e um bilhete só de ida na mão. nunca nenhum silêncio me tinha sido tão aterrador. as lágrimas ameaçavam cair e eu lutava contra elas. nunca a estrada me tinha parecido tão vazia. os outros carros estavam lá, mas eu tinha um bilhete só de ida e ter um bilhete só de ida faz-nos olhar para as coisas de maneira diferente. o aeroporto estava igual a tantas outras vezes que já lá tinha estado. as paredes da mesma cor. tudo tão igual e no entanto tão diferente. nunca antes desse dia tinha dito um adeus sem prazo de validade estipulado. e isso é o que aperta o coração, sabes. não é saberes que vais, é não saberes quando voltas. e eu não fui mais capaz de lutar contra as lágrimas.
a verdade é que foi (tem sido) o inverno mais frio de sempre. não pelas temperaturas (mas também!), mas porque a distância de casa é um frio que nos consome por dentro - descobri eu. foi difícil (às vezes ainda o é) aprender a domar esse frio interior. olhar à volta e aprenderes a conhecer uma nova casa, uma nova cidade, uma nova distância. aceitar que tudo isso faz parte de ti agora. e aprender a domar o frio. agarrar mais uma camisola, enrolar o coração numa manta, abraçar o saco de água quente e não ter medo de sentir os pés frios.
(...)
curiosamente, não me lembro da última vez que tive um pesadelo. lembro-me de os ter constantemente antes deste inverno. agora não mais. talvez porque agora os medos já não são mais o monstro dentro do armário, só o frio. o frio é a coisa mais assustadora. e aos poucos vou aprendendo a domesticá-lo. somos quase amigos agora. já nos tratamos por tu. e eu já sei que o frio não vai desaparecer, vai sempre haver um bocadinho, mas também já sei que não é isso que me vai fazer mal.
li algures que é aos poucos que a vida vai dando certo. e é verdade. aos poucos este quarto, esta cidade, estas pessoas daqui, aos poucos, vão-se tornando mais meus. a cada dia que passa, estas paredes cor de rosa são um bocadinho mais a minha cara. vou aprendendo aos poucos a distinguir o estar sozinha do sentir-me sozinha. e a cada dia que passa, fica tudo mais fácil.

a vida a fazer sentido,
manganet :)

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